Agir e Calar

nov 22, 2024

As estruturas devem servir as pessoas

Luzia e seu marido no encontro da Família de Murialdo com o Papa Francisco

Na foto, Luzia Nadia e seu marido no emocionante encontro com o Papa Francisco.

Aline falava alto e gesticulava alegremente, apresentando o cronograma ideal para o grande evento. Ariane, sua irmã, prevendo o vestido que usaria, reivindicou a decoração afirmando ter um gosto mais refinado. André, com risadas irônicas, questionou se as extravagâncias das duas seriam pagas com a aposentadoria da mãe, sugerindo um churrasco no sítio da tia. Alex, o caçula, apontando irritado para o irmão reclamou que não queria passar o dia no calor da churrasqueira. O cunhado, único motorista do grupo, sugeriu que a festa fosse no salão do condomínio. A cada sugestão, Milena, a neta adolescente, sondava se o local teria sinal de Wi-fi. Pedro, no auge dos seus 12 anos, querendo pôr fim a discussão, afirma que sua avó merecia uma festa no clube onde havia um campo de futebol, para que ele pudesse lhe presentear com um golaço contra os tios “pernas de pau”, tirando uma forte gargalhada de toda família. Foi então que a pequena Maria, se pondo centro da sala, com as mãozinhas na cintura e ar de autoridade, olha para a avó e diz:

_Fala para eles vovó que sua festa vai ser na praia!

Aline, prevendo o desapontamento da filhinha, comentou que o vestido azul e o sapatinho dourado ficariam cheios de areia se a festa fosse na praia..., mas antes que terminasse, Dona Beatriz se levantou e tocando os cabelos da neta, afirmou: _Isso mesmo, quero comemorar meus 80 anos na praia!

Diante do olhar espantado de todos, a pequena Maria, foi até o quarto, voltando com seu baldezinho e pazinhas, já pronta para construir castelos de areia.

 Mas mãe, a logística para convidar e servir muitas pessoas numa praia seria muito complicada, ponderou Aline. A discussão recomeçou: os netos mais velhos concordavam que não haveria onde carregar o celular e o som. Os homens começaram a discutir sobre a dificuldade de estacionar, montar mesas e de fazer uma estrutura para proteger os enfeites e o bolo. A outra filha listou vários empecilhos: o horário, a imprevisibilidade do clima, a quantidade de convidados... Dona Beatriz, com lágrimas nos olhos, decididamente declarou:

_Quando eu disse que queria comemorar meus 80 anos de uma forma inesquecível, não estava nos meus planos ficar horas sentada numa cadeira desconfortável, vendo vídeos em um telão e cumprindo um monte de protocolos que roubam nosso tempo de conversar.  Vocês não percebem que não faz sentido transportar para a praia a experiência de uma festa num salão? Nada disso é necessário, há outras formas de comemoração. Quero apenas a alegria de contemplar minha família à beira-mar até que o sol se ponha.


As estruturas também catequizam

Se não há espaços físicos para a convivência humana, não há ambientes suficientes para o encontro com Cristo. Melhorar as estruturas vai muito além de pintar paredes ou trocar os quadros de giz por lousas brancas.

O Diretório para a Catequese destacou a relevância dos espaços (221 –223), no capítulo dedicado à metodologia da catequese. Chama atenção o exemplo do narthex, podemos compará-lo a um hall de entrada, porém mais amplo localizado à frente dos templos, geralmente, coberto com portas duplas, uma para a rua e outra para a nave da igreja. Sua função era criar um espaço de transição entre a área externa e o Espaço Sagrado da Igreja. As pias batismais eram geralmente construídas no narthex, simbolizando que a porta de entrada para a vida cristã e para a comunidade de fé é o batismo, desta forma era também o espaço onde eram acolhidos os catecúmenos e penitentes.

Nos primeiros séculos da Igreja, aqueles que estavam sendo acompanhados e instruídos em seu processo de conversão, conhecido como catecumenato, não podiam tomar parte dos ritos e celebrações destinados aos iniciados. Somente batizados conheciam os mistérios da fé, isto é, os cristãos. O narthex, era uma espécie de espaço escatológico que permitia uma experiência de antevisão das promessas de Cristo em relação a vida eterna: para tomar parte do banquete no Reino dos Céus é necessário lavar e alvejar as vestes no Sangue do Cordeiro. Para os Iniciados, o espaço era também estratégico para a vivência comunitária, o diálogo e o encontro.  Hoje, estes espaços sequer são projetados, afinal, a mente demoníaca de alguns argumenta que espaços deste tipo servem apenas para acolher pedintes ou para a algazarra dos jovens...

O diálogo é uma necessidade humana, se não há este espaço nos projetos arquitetônicos das Paróquias, as pessoas o farão dentro da Igreja, porque entendem que há um lugar para elas nesta família, estão erradas? Se as crianças e jovens não encontrarem um lugar para seus jogos e brincadeiras, farão onde se sentirem acolhidos e nem sempre este espaço fica dentro dos prédios religiosos. Precisamos tomar cuidado para não transformar os jardins em estacionamentos, semelhantes aos drive-thru das lojas de conveniência, a mensagem de que é mais importante passar do que permanecer é pedagogicamente perigosa.

Ainda sobre a importância da renovação das estruturas voltadas para a Iniciação Cristã, o Diretório afirma que “as estruturas escolares, não são os melhores lugares para a realização da atividade catequética” (222) e que devem “ser incentivadas as tentativas de uma catequese em lugares diversos: casas, pátios, espaços educacionais, culturais e recreativos, cadeias, etc” (223). O estranho sumiço dos jardins paroquiais, por exemplo, é um sintoma característico da desvalorização da meditação, da contemplação e do diálogo, tão necessários ao aprendizado da Lectio Divina, por exemplo. É muito angustiante quando não há espaços de contemplação disponíveis ao povo, mesmo que pequenos, sem que seja numa casa de retiros inacessíveis à maioria.

Em outras palavras, a forma como uma comunidade pensa e organiza os recursos materiais, físicos e arquitetônicos fala muito sobre o tamanho do seu amor por Cristo e pelo seu mandato missionário. Uma casa acolhedora prevê que uma mãe precisa sentar para amamentar seu bebê, uma comunidade que valoriza os jovens têm espaços de convivência que não sejam as escadas e parapeitos, uma família com crianças se preocupa em instalar redes de proteção nas janelas, assim como portões de segurança e jamais permitiria que os pequenos brincassem próximos à entrada e saída de veículos. Um trabalhador cansado ao final do dia, sabe como é reconfortante encontrar um lavabo para limpar as mãos e o rosto antes de sentar à mesa com as pessoas que ama.

Melhorar estruturas não significa, implodir projetos ainda habitados!

Mudar hábitos é demorado. Haverá decisões difíceis e dolorosas. Refletir que se deva deixar algumas coisas como estão para não machucar as pessoas ou desvalorizar os esforços de tantos anos é perturbador. O que o Papa adverte é que se “deixarmos que as dúvidas e os medos sufoquem toda ousadia, é possível que, em vez de sermos criativos, nos deixemos simplesmente ficar cômodos sem provocar qualquer avanço” (EG, 129). Contudo, melhorar estruturas não significa, implodir projetos ainda habitados. Deixar as multidões com fome, também não é evangélico.  Alguma coisa precisa ser feita e a formação é um caminho mais demorado, porém eficaz a longo prazo.

Na evolução da catequese, mesmo após um longo processo de conversão que poderia durar meses e até anos, os catecúmenos considerados aptos ao Batismo, recebiam instruções detalhadas sobre o significado de cada momento dos Ritos Sacramentais somente, durante as catequeses pós-batismais, no período de mistagogia. 

O que o magistério da Igreja continua sugerindo é investir na formação dos discípulos, criando estratégias de aprofundamento adaptadas aos novos tempos, sem perder de vista a necessidade imersiva nos mistérios, ainda que seja necessário criar pausas em lugares adequados. A proposta da CNBB com o lançamento dos critérios e itinerários para a instituição do ministério de catequista, caminha neste sentido. Uma paróquia que dedica esforços para fortalecer a Iniciação Cristã, que é a base das suas estruturas, passa pelas provações da sociedade de pé, como Maria diante da Cruz. Uma paróquia alicerçada na rocha, suporta enchentes, ventos, (Mt 7, 25) pandemias, alternância de lideranças e até uma troca de párocos. Formar toda paróquia em virtude da melhoria das estruturas para a Iniciação cria alicerces fortes que trarão benefícios para todas as pastorais e a vida comunitária.

Cuidado com a formação nova em estruturas velhas

Autores do campo da Psicologia, como Albert Bandura, explicam que as pessoas reproduzem comportamentos baseados em modelos disponíveis ao seu redor. Nesta teoria da aprendizagem, a imitação é produto da observação, e as consequências desse comportamento é fundamental para a aprendizagem. Não podemos julgar a dificuldade que muitos catequistas possuem em aceitar e aplicar métodos diferentes dos quais eles mesmos são prova de eficácia. Ainda que reconheçam as mudanças sociais e participem ativamente das formações, é confuso o fato de que as novas metodologias não têm espaços adequados ao método. Faz sentido cobrar dos catequistas novas abordagens, oferecendo as mesmas estruturas?

Se pegarmos os textos de Emaús (Lucas 24,13-35) e da conversão do Eunuco (Atos 8,26-40), veremos que a metodologia é a mesma: caminho, aproximação, escuta, diálogo, conversão, instrução e vivência sacramental. No texto do Evangelho, Jesus atua como Catequista, em Atos o catequista é o discípulo Filipe, lembrando que ambos os textos são atribuídos a autoria de São Lucas, não é difícil perceber a estratégia do autor para explicitar que os discípulos imitavam a metodologia do Mestre. É relativamente fácil reproduzir um modelo formativo do qual saímos. E não podemos esquecer que a maioria de nós é fruto de uma catequese escolar.

Como na historinha de Dona Beatriz, o conceito de festa de sua família precisava ser ampliado e reestruturado. Mesmo que eles possam visualizar o sentido das palavras da matriarca, a experiência não acontecida, não produz memórias, tampouco experiência afetiva. A formação dos catequistas precisa também acontecer em novos espaços para que possam criar novas conexões neurais e afetivas. O processo catecumenal não está restrito às salas de aula a que estão acostumados, mas isso precisa ser estimulado de forma prática e imersiva.

Quando o Papa Francisco, diz sonhar com “uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autoapresentação” (Evangelii Gaudium, 27) e propõe uma Igreja em saída missionária, a Iniciação Cristã é o caminho por onde esta renovação, inevitavelmente deverá passar. Afinal, é nela que toda vida da Igreja se inicia. Tirar os catequistas das velhas estruturas é oferecer-lhes a oportunidades de refazer seu caminho de iniciação cristã, e isso leva tempo.

Na concepção da Igreja primitiva, a compreensão plena dos conceitos e símbolos, necessitava da imersão na experiência. Santo Ambrósio e São João Crisóstomo, por exemplo, defendiam que a formação contínua era essencial para o crescimento espiritual dos novos membros da Igreja. Veja que esta formação, mais robusta, se destinava aos iniciados, já para os catecúmenos o anúncio do querigma era suficiente para fazê-los se apaixonar por Cristo. 

Hoje, anunciar o querigma para cristãos que não tiveram a oportunidade de trilhar um caminho de conversão adequado é um grande desafio. Portanto, também a formação de catequistas e de lideranças merecem ser planejadas seguindo um estilo catecumenal. Por exemplo, como resolver a escassez de introdutores, se não há um plano bem definido de missão, conquista, formação e envio destes agentes de pastoral? Pedir que uma pessoa reproduza um método de aproximação missionária, sem que ela mesma, nunca o tenha vivido, é no mínimo imprudente. Confiar o primeiro anúncio nas mãos de uma pessoa que não conhece o processo pode gerar mais confusão do que colaboração.

É urgente promover projetos de formação com etapas progressivas e bem definidas de amadurecimento. Também pode ser muito proveitoso promover atividades que levem em consideração os diferentes níveis de conhecimento dos agentes de pastoral. Os que estão iniciando precisam ter espaço e tempo para tirar suas dúvidas sejam elas as mais simples possíveis sem que se sintam envergonhados, assim como aqueles com mais experiência têm o direito de receber orientações sobre assuntos mais complexos. 

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Luzia Nadia de Mesquita Gomes

É Catequista da Paróquia São Jorge (RJ), Pedagoga, Teóloga e pós-graduada em Catequese e Pedagogia Catecumenal. Atua como Inspetora Escolar na SEEDUC-RJ e colabora com a Formação de Catequistas.